Duas vias de uma mesma estrada
Silêncio na sala de aula, o jovem
Gustavo copia um excesso do conteúdo por ter incomodado demais o professor... e
ele não é exceção: toda a turma está no mesmo barco (não sei se é uma analogia
muito boa essa, mas enfim...). O garoto observa para onde estão os seus
colegas, e todos estão quietos a copiar o trabalho do professor; observa o
professor finalizar o extenso texto do quadro, dar alguma lição de moral nos
seus alunos e se sentar na mesa com uma face que ilustra a verdadeira
autoridade.
Gustavo copia tudo, mas não lhe restava
nenhuma vontade de responder aos exercícios... o seu olhar se perde na rua:
está lá um pássaro entregue à sua liberdade, descansando por tê-la em
demasia... o animal entregue ao desejo que os homens sempre tiveram, mas que se
tornou utópico quando a humanidade começou a se ignorar diante do espelho. O
olhar do jovem se volta novamente ao professor, e de súbito um grande susto: o
olhar sério de seu mestre para a sua digressão visual. E a voz do adulto surge
como um oceano que cai em uma pequena fogueira:
- Não vai responder as questões,
Gustavo?!...
E o garoto apenas baixa a sua cabeça
e se contenta em resolver os problemas. Mas a sua vontade era maior!... esperou
mais um pouco e deu uma olhada rápida para fora da sala: o pássaro não estava
mais lá. Uma revolta interna tomou conta de seu ser: tudo o que ele queria era
ter visto melhor o pequeno animal!... e nem disso o professor “insensível” se
deu conta.
Mais alguns minutos se passaram, e
Gustavo se esqueceu totalmente de sua “revolta”. Pois a mente infantil é um
processo imediatista que só se apega a algo e/ou pessoa que lhe surpreenda no
campo educacional (de forma “positiva e/ou “negativa).
O jovem respondia as questões do
quadro em seu caderno, aquilo realmente parecia não ter fim... e então um som
esperado por todos: o alarme da escola decretou o introito do intervalo. O
professor se dirigiu à sala de seus colegas de profissão e lá se entregou à
dicotomia modal de sempre: dava risadas diante das conversas de seus
semelhantes e acrescentava ao diálogo suas análises irônicas (e, antes que eu
me esqueça, também estava no diálogo a decepção e a revolta dos professores
para com os alunos bagunceiros; e os elogios aos poucos que se comportavam
bem); mas a mente do nosso mestre sempre era uma mistura indigesta da falta da
energia que os seus alunos lhe tiravam em aula e os problemas que acumulava do
mundo externo (afinal era um indivíduo humano como qualquer outro de nossa sociedade
e nosso tempo). No meio de todo o enredo daquela sala de “educadores”, surge a
coordenadora pedagógica: o seu sorriso estampado na face, de orelha a orelha,
uma pequena piada diplomática e uma mensagem positiva para “alegrar” o dia dos
docentes... e o nosso professor nunca sabia o que deveria pensar diante daquela
personagem.
O jovem Gustavo se sentia em
liberdade: corria, jogava bola, incomodava os seus colegas e era repreendido
por algum adulto,... o tempo não existia nos instantes de sua excitação. São
poucas as palavras para explicar um garoto sentindo-se em um universo ilimitado
(ainda que tal sentimento seja temporário)... e deixo minhas sinceras desculpas
a quem acompanha estas linhas de agora, pois sei que expliquei pouco sobre o
personagem menor; mas é assim a vida de uma criança saudável: uma expansão
infinita de aventura diante de um paralelo mínimo.
O tempo passou com uma velocidade
inconsciente e decretou, através do som do alarme da escola o final do
intervalo: o professor respirou fundo e foi até a sala com a sua mentalidade
fixa nos próximos instantes que viriam (não poderia, em nome da honra
profissional e pessoal, facilitar as coisas para os seus alunos); e Gustavo não
conseguia pensar em nada além da chatice da sala de aula quando retornou à
mesma. “Por que não me deram mais tempo de recreio?!” pensou o docente e também
o seu aprendiz.
O professor parou à porta da sala e
fez um sinal para que seus alunos adentrassem novamente naquele recinto, sua
face séria foi um estratagema proposital com o único objetivo de gerar temor e
reflexão em seus alunos (e isso deu muito certo!). Mais alguns conteúdos foram
escritos no quadro, o silêncio era algo quase doentio... e o mestre sentou-se
na classe e observou os seus alunos (que a essa altura apenas copiavam!): “Não
adianta, eles me incomodam sempre; mas, mesmo assim, sempre me preocupo com
eles!...” pensou em sua dicotomia (sua face de aço e seu coração de vidro).
Gustavo fazia os exercícios, somente
o medo de mais uma repreensão o dominava...
Os segundos passaram devagar diante
daquele ambiente tenso... e enfim: o alarme da escola decretou o final das
atividades do dia. Gustavo, assim como todos os seus colegas, foi embora e não
pensou em mais nada... e o professor saiu da escola com sua postura inabalável,
mas o seu interior possuído pela triste confusão: “O que devo fazer para
conquistar essa gurizada?!”
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