E o sonho se tornou realidade: acabo de receber a primeira edição de meu primeiro livro!
Abaixo segue alguns contos de meu primeiro trabalho literário.
O livro se chama UM PIOLHO NA TERRA DA POLÍTICA.
Caro(a) amigo(a), se tiveres interesse em comprar o livro ou adquirir o texto completo em pdf, fique à vontade para entrar em contato comigo:
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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
A biografia
Acordar, passar o período das imagens
dos sonhos!... perceber-se limitado no universo do “real”. Acontece que a ordem
se inverteu com o personagem deste conto, e esta narrativa (por que não?!...)
fantástica me aparece como oportuna para a atual ocasião. Nem distante de sua
efeméride inicial, menos ainda perto de tal paralelo; Bernardo estava na suposta
“meia idade”. E houve o dia em que o seu sono foi temporário, mas o seu
despertar!... de súbito, um detalhe foi demasiado marcante para ser ignorado: em
suas mãos e seus braços, insetos de todas as espécies (ou eram, no mínimo, a
maioria da biodiversidade suprema de nosso planeta...) cobriam a epiderme de
nosso personagem. Era incrível a questão do espaço, pois era uma imensidão de
vidas minúsculas em um pequeno pedaço de carne humana... mas a sensação era de
um princípio jamais sentido anteriormente: era uma libertação física, uma
limpeza da alma com seres como formigas e baratas (!...). Acomodado com o
ocorrido nada previsível, o homem apenas permaneceu imóvel durante alguns
minutos; até que os insetos saíram de cima de sua pele, se uniram em uma nuvem
que se distanciou e se acabou com a chuva efêmera... Bernardo tentou se
aproximar da poça de água que se formou, mas quando chegou no solo em questão o
líquido não mais se fazia presente!...
E o nosso personagem ficou inerte,
com a companhia única da perplexidade; pensou em respostas, mas todas eram
vazias: não era um sonho, pois foi a extensão do porvir de um despertar
inquestionável; e não era verdadeiramente a morte, pois uma alma jamais
conseguiria se afastar por completo das demais!... as hipóteses da ciência
humana eram pequenas e inúteis para o contexto. Surgiu então um questionamento:
“Como posso arquitetar teorias internas sem qualquer outra presença humana ao
meu redor?!” Bernardo tentou achar respostas, mas nenhuma lhe veio à mente...
teve que aceitar que até o seu espírito individualista e misantropo era
resultado de um conjunto. Mas a sua vivência excêntrica não encontrou sua
peroração diante da construção daquele ponto...
E o que a atmosfera da dimensão, real
e ilusória, trazia ao homem!... não existia ali qualquer peso de consciência
(nem amargura e nem euforia desequilibrada!...), e o caminho oposto era um
universo nulo de purgatório (sem progressões e sem regressões...). Bernardo não
estava ali nem para aprender, nem para ensinar, construir ou destruir... era um
frenesi, uma constância sem escala de itinerário. Estava apenas sentindo o seu
heterônimo mais esclarecido, sem nenhuma crítica e/ou parcialidade. A escuridão
neutra que o cercava se fez presente até a próxima exposição surgir de uma
forte luz excêntrica;... uma sacada, sem andar para cima e nem para baixo,
estava um cidadão inquieto; em seu recanto solitário, seu olhar fitava tudo o
que lhe passava despercebido:
- Mas, ele sou eu!?... – Bernardo fez
o questionamento sem conseguir qualquer resposta contrária.
Se formulou então um estudo, um
autorreflexo sem hipocrisia e/ou catastrofismo; e percebeu que estava além do
bem e do mal, era pequeno e um detalhe grandioso... corrompeu-se às grades da
vaidade humana, Bernardo apenas analisava o seu Eu de Outrora. Mais nada
existia ao seu redor, estava livre de necessidades biológicas e do orgulho. Uma
forte ânsia de dar sinceras gargalhadas, a sua efígie nada mais era do que uma
ironia confusa perante o desconhecido!... estava fixo e inabalável, diante de
sua angústia exposta. Até que o ato de seu Eu fora de eixo se consistiu no
ignorar um outro indivíduo que lhe trazia vulto e o pedido de ajuda. E assim o
ciclo que permaneceu infindável se fez presente em seu espírito.
O real e a superação do místico
Já com a sua passagem sobre a vida
profissional quase resolvida, o velho senhor retornava ao seu lar após um dia
desgastante. “É, não sou mais nenhum guri!...” pensou no interior do carro de
luxo, alheio inclusive à presença do motorista. Estava se direcionando ao seu
lar, para passar uma noite inteira sozinho... sua esposa resolveu viajar após
uma grande discussão de casamento; e, mesmo com o contexto familiar em
decadência, só uma preocupação fazia parte da mentalidade de nosso personagem: “Estou
sem herdeiros, não tenho para quem deixar a minha empresa!...” e a convicção o
deixou revoltado com a sua situação de derrota indelével. Sua ira se expandiu
assim que recordou de seu único filho e a sua indiferença para com os negócios
“da família”...
O pensamento supérfluo do senhor o
fez esquecer que estava indo para a sua residência, e se percebeu de tal
corolário quando o carro parou. Saiu do veículo com o peso habitual, o seu
corpo era uma armadura difícil de ser carregada!... fez questão de dispensar o
motorista e os demais empregados e ficar sozinho na pequena mansão (...). Foi
até a sua cozinha e abriu a sua geladeira: alternativas para se alimentar não
lhe faltavam. Ignorou a comida, sua cabeça rodava em um princípio que
desconhecia a fome... começou a procurar na geladeira e depois no armário:
conseguiu então achar a sua velha garrafa de uísque. Serviu-se de uma dose sem
gelo e a tomou em um só gole!... era o elixir mais amargo de sua existência.
Pegou a garrafa, o copo e foi até o seu quarto; tentou dormir, mas foi em vão!
A luz apagada; não, não era apenas
uma escuridão... era uma matéria que estava no ar e que não deixava o
empresário dormir. Acendeu a luz e lá estavam eles, os espectros que se
alimentavam com as suas falhas humanas: os políticos que lhe eram subalternos,
os empregados que havia demitido e a frieza diante da presença de seus próprios
familiares. Todos o julgavam com um silêncio mais forte e mais eloquente do que
qualquer palavra... foi quando a razão retornou ao seu espírito: “Mas o que eu
fiz comigo mesmo?!” pensou em uma questão que finalmente conseguiu responder
(pois começava o seu processo de limpeza interna...).
O local em que outrora passava um
tempo agradável de sono tranquilo e boas volúpias com a sua esposa, agora era o
abrigo de uma solidão amarga. Respirou fundo, tentou achar alguma possibilidade
na programação da televisão... mas o empresário, obviamente, foi infeliz em tal
busca utópica. Frustrado, indiferentes aos “atrativos” de seu exterior e com o
forte peso de sua idade (a consciência de que a morte estava por perto!...); o
senhor saiu do quarto e ignorou os espelhos que estavam na sua casa
(questionava, com ódio, a existência deles...). Enfim, estava distante de sua
cela e diante de grades e câmeras de segurança!... olhou para a garagem:
poderia abri-la, pegar um de seus cinco carros de luxo e dirigir pela cidade
(para romper o seu próprio cotidiano...). Mas as ruas eram “perigosas” (e
desertas!) durante a madrugada... outra hipótese que foi totalmente descartada!
E a mente de nosso personagem era
demasiado limitada, de modo que foi incapaz de perceber maiores possibilidades
diante da opulência (e sempre foi incapaz de perceber que produziu a sua
própria falta através de suas aquisições materiais...). Foi quando lhe surgiu
uma mentalidade, no mínimo, estranha: “Os problemas de minha natureza só podem
ser resolvidos com a própria natureza!” pensou com uma convicção doentia. E o
que haveria de mais natural do que a água? o nosso personagem resolveu se
banhar em sua piscina... encostou a sua cabeça sobre a borda, sentou-se na
escada. Começou a observar toda a construção daquele lago artificial (com as
suas voltas, uma pequena correnteza e até uma cachoeira!...). “Fantástico é o
que o homem pode construir!” disse a si mesmo e começou a imaginar o que a
tecnologia construiu e o que haverá de construir (ele realmente ficava
admirando o nosso lixo!...). E depois a dúvida maldita retornou com o seu,
recém chegado, niilismo material...
- Para que tudo isso?! que utilidade
existe nas construções e invenções da engenharia humana?!... – falou como se
realmente alguém estivesse a escutá-lo. E continuou ainda com a sua oratória
excêntrica: - e eu: por que construí tanto para não ter absolutamente nada?!
afastei a minha esposa e o meu filho de minha companhia para seguir, de forma
cega!, a minha fria ganância ... – e novamente começou a sentir a derrota
indelével. Tentava fechar os olhos, mas sempre acordava e se percebia sozinho
(apenas o velho uísque a acompanhá-lo...).
Com o passar de mais alguns minutos
(que lhe eram quase intermináveis!...), o empresário se retirou da piscina e
resolveu passear um pouco por seu pátio demasiado extenso. Seu “lar” era análogo
a qualquer presídio, os seus passos eram sempre regulados pela sua posição
social... e o senhor estava abraçado a uma vergonha oposta à ordem da miopia
contemporânea. Percebeu que apenas tinha, mas ainda não era!... e foi uma
totalidade avessa à interpretação do senso comum: pois a imagem de nosso
personagem estava sempre nos jornais e nas principais revistas sociais (...).
Imaginou então uma família pobre, unida em uma mesa para fazer uma refeição
trivial e no meio da conversa do jantar alguém mostrar a foto do empresário e
pronunciar: “Eis aqui um homem de sorte!”. E a vergonha consumia ainda mais o
milionário...
“Estranho é o modo como a solidão me
faz inverter a lógica de minha mentalidade...” pensou e tentou se esconder
atrás de alguma lógica científica, mas o processo gerou um resultado nulo. Tem
certas coisas que superam a trivial “racionalidade”... e a noite continuou o
seu rumo até o empresário se embriagar por completo e fechar os seus olhos por
umas duas ou três horas... se levantou com o nascimento do sol e seguiu o seu
itinerário de sempre antes de se dirigir à sua empresa. Durante o período de
seu trabalho, a sua esposa ligou e se admitiu “arrependida” (queria continuar
com o seu casamento, mesmo sabendo que o seu marido jamais haveria de mudar...)
e deu a boa notícia: o filho do casal também estaria em casa na hora do jantar.
Um sorriso sincero se apoderou da
face de nosso personagem; mas o seu semblante era o resultado de seu sentimento
de vitória (pois, análoga à sua empresa e os seus funcionários, sua família
admitia em atos que lhe era totalmente submissa!...), o senhor nem chegava a
cogitar os questionamentos da noite anterior... era uma parte de sua biografia
a ser esquecida. Não, o empresário não ignorava apenas o passar de uma lua; na
verdade, ele ignorou a missão mais nobre que qualquer indivíduo carrega consigo
assim que nasce.
Testemunho
Tomem cuidado ao pronunciarem suas
frases: se me cabe qualquer direito de dar alguma lição (e nem sei se sou digno
disso...), peço-vos que as palavras sejam bem planejadas antes de serem
colocadas nos ouvidos alheios. Quantos “gênios” a humanidade já produziu para
agredir ela mesma!... oradores, artistas, cientistas que trouxeram caos. E as
experiências “negativas” nos trouxeram, mais do que lições opostas, uma ordem
que é indelével e que adoramos ignorar: Homens, vivam e não cometam suicídio!
Pois o que pensam que estamos fazendo
quando não investimos na nossa própria espécie (as máquinas e um pedaço
excêntrico de papel nos são superiores!...)? o que, realmente, acreditamos como
construção em palavras e atos unicamente momentâneos?
O verdadeiro intelectual é o que
consegue se destacar no campo da moral, não o que domina apenas “conhecimentos
científicos” (estes que são demasiado frágeis, porque sempre são superados); o
tempo passa e ainda somos demasiado carentes, ainda temos sede de usufruir do
que há de mais belo em nossa espécie. Se fossemos deveras meros abutres que se
saciam com a derrota alheia, como o atual sistema burocrático adora falar em
seus atos, as doenças psicossomáticas não estariam se expandindo como agora. Os
nossos corpos (e espíritos!) pagam um alto preço por causa de nossa omissão!...
e a omissão se torna corolário em dois aspectos: a desunião dos homens, estes
que não mais fazem questão de se conhecer (ao menos é isso o que o exterior
parece nos demonstrar...); e os demônios interiores de cada indivíduo (a saber,
o orgulho, a ira, o colocar-se acima dos demais indivíduos e outras
irracionalidades pessoais). Através das omissões, um indivíduo ignora
totalmente o outro.
Ainda temos por praxe o suicídio
coletivo: a burocracia ordena nossos passos e ela apenas desconhece qualquer
princípio humano. Aceitamos, de forma inquestionável, um mundo que se tornou
uma caixa fechada; nem nos esforçamos para melhorar o nosso entorno!... e
aplaudimos os eloquentes, os que nos parecem úteis diante do sistema; e nem
pensamos na hipótese de arquitetar (ao menos isso!...) uma sociedade plural e
deveras sustentável. Essas indústrias e esses comércios são eternos
construtores de crise... e o que mais resta a um indivíduo nesta sociedade em
que ele não pode ser ele mesmo?!
E os julgamentos estão por toda a
parte: ninguém acredita no próximo. Os atos de repreensão são fundados na
vaidade do algoz (em sua suprema necessidade de se manter na hierarquia!...), e
o repensar e refletir são projetos ignorados pelos pais e “mestres”... as
nossas escolas estão virgens, em nenhum momento a recíproca educacional (entre
o educando e o educador) se torna corolário em instituições que só percebem o
ser humano como ferramenta passível de lucro ao sistema (jamais para si e para
o seu entorno!).
A ordem nos é dada com clareza,
durante toda a nossa existência: tudo para o mercado de trabalho, e mais nada
para ninguém. Sim, estamos em uma sociedade doente. Somos insalubres, nascemos
infectados e (o pior que existe para se admitir!) acreditamos que estamos
certos ao se adaptar neste pequeno lodo; mas existe uma luz, muito pequena é
bem verdade, de esperança: pequenos atos, palavras ainda demasiado silenciosas,
e grandes biografias que merecem melhores análises.
Devemos investir em nossa própria
espécie, antes que o nosso opróbrio vigente seja indomável!... devemos, ao
menos, mudar as normas contemporâneas; o asco deve ser o primeiro sentimento em
relação ao agora, época em que incentivamos o egoísmo e temos a audácia de
reclamar das consequencias!
Estamos em uma época de
desconstrutivismo e podemos reparar isso apenas nas graves mudanças artísticas
(algo que não é bom e nem mau, mas necessário). A humanidade não mais concorda
com os frutos que consome do pretérito, e se as ordens ainda são “tradicionais”
é porque a discussão ainda não chegou a um consenso... as discussões se
expandiram, e isso é o maior fruto que produzimos no hoje. Alguém que me lê
discorda? pois então me explicarei com maiores detalhes...
Anarquia não é bem o termo adequado
aos parâmetros expostos na nossa atualidade, o que existe é uma via duplamente
fracassada: o produtor quer se apresentar e ser parte de seu povo, e acaba se
tornando pesado por dar ordens diretas e ignorado pela “incompetência” de se
pôr no Universal acima do Regional (o que não discordo totalmente...); e a
forma como o produtor se encerra e se apresenta é tão distante da mente comum
que a população acaba por fazer questão de expor seu asco aos “rabiscos”,
“palavras sem sentido”... quem recebe algum dom tenta passá-lo adiante: eis
aqui um princípio indelével de nossa espécie. E o fato é que os artistas e
cientistas são distantes do indivíduo “comum” (as aspas são colocadas por causa
de minha incompreensão a tal termo diante das singularidades de cada um...).
Somos todos grandes guerreiros do avanço, e a hierarquia é distante de nossa
natureza.
Observem a nossa juventude: mentes ricas
que são destruídas pela burocracia. A maior beleza de nossa essência vai sendo
lapidada de forma grosseira para esquecer a sua própria primavera. Quem quiser
ver a sinceridade em seu estado mais puro, deve ver o semblante de uma criança.
E ainda descuidamos e anulamos (!) a personificação exata do futuro...
E a rebeldia de nossos “jovens mais
velhos” é uma forte agitação contra a cegueira dos adultos; e os rumos mudam, e
a falta de visão também pode ser recíproca!... proteger, incentivar e/ou formular
a mudança da mentalidade em outrem é ainda um processo demasiado frágil; pois
queremos julgar e não queremos nosso julgamento, tentamos entender o outro mas
não nos esforçamos em nada para procurar interpretações mais amplas do reflexo
do espelho. Revolução, mudança abrupta de rumo e meio de vida: eis o que
necessitamos constantemente. Somos projetos passíveis de “derrotas” para as
gerações futuras... e estamos, na atual conjectura, há séculos cometendo os
mesmos erros!
Onde estão as revoluções?!...
Catarse do pretérito: a trilogia idiossincrásica
Tocando o seu violão com o prazer que
sempre tinha diante de tal ato, Giuliano estava em seu campo de vida: arpejos,
ascensões harmônicas, cromatismos pré-programados e uma melodia única (singular
por sua beleza espontânea!). Estava fazendo os seus improvisos, só conseguia se
sentir bem dentro deles; outrora o seu talento musical lhe rendeu um convite
para uma grande orquestra, mas o tempo transformou maestro e músico em rivais:
um queria apenas seguir o que estava escrito na partitura, o outro queria
enriquecer os sons clássicos com os seus improvisos... Giuliano foi expulso da
orquestra e de todos os empregos que teve anteriormente. O fato de apenas
pensar em música lhe fez ignorar as “oportunidades” (?!...) da vida,... e lhe
restou um único emprego para fazer os seus improvisos harmônicos no bar: era
tudo o que queria; e, para isso, ignorava o próprio mundo financeiro... vivia
de qualquer jeito, mas era feliz porque nunca se separava de seu violão.
Ignorando a bela projeção musical que
saia do violão de Giuliano (este que ignorava qualquer existência exterior ao
seu instrumento...), Régis erguia o seu copo com cerveja e fazia questão de
brindar com todos (e erguia a sua voz sem maiores cerimônias!...): era
sexta-feira!... e não havia outra sensação para se retirar do recinto além do
espírito de festa. Belas mulheres, música de qualidade, a bebida na temperatura
certa!...
E lá no canto, distante dos demais (e
de qualquer possibilidade de ser visto por mais alguém além do garçom!...),
João Cláudio observava o seu copo (cada vez mais vazio!...) e o grande músico
que estava no palco. “Ao menos, sobrou algum talento neste mundo!...” pensou
com a mesma amargura que guardava no introito de sua existência. Fitou então
Régis e todos os indivíduos que se divertiam com ele:
- Como esses imbecis conseguem
ignorar o talento do jovem que está se apresentando?! – falou em voz alta
enquanto deu um soco na mesa. Olhou para o lado e teve uma grande surpresa: o
garçom retornava ao seu encontro. Surpresos, um com o ato e o outro com a
presença!, não perderam a classe... e agiram de forma natural.
- O senhor gostaria de mais um
drinque? – perguntou o garçom com sua postura hipócrita de sempre.
- Por favor, mas desta vez sem gelo.
– respondeu João Cláudio.
O ébrio, após observar mais uma vez o
músico e ouvir o som sublime daquele violão, ignorou que chegou a pensar em que
imagem sua estava transmitindo ao garçom; e este, de forma totalmente discreta,
pediu a um dos seguranças para que ficasse de olho no “louco” que estava
bebendo demais... e retornou à mesa, serviu o drinque e continuou sua praxe.
João Cláudio tentava esquecer, mas os
espectros não saiam de sua cabeça: as oportunidades que nunca teve e as que
deixou passar!... Régis aproveitava a festa que se justificava após a árdua
semana de trabalho... e Giuliano saboreava a sua música, de forma a ignorar
todos os indivíduos ali presentes (até quem lhe garantia o sustento!...).
Chegou o final da apresentação do
nosso músico: pegou o seu violão (e o seu pagamento!...) e se direcionou à
saída. Régis continuou bebendo com os seus amigos, o seu espírito em êxtase ignorou
o final da música (nem havia reparado no introito dela...). Giuliano só queria
saber de seu lar, só pensava em voltar a fazer os seus improvisos no sofá de
casa (era o local e o ato que mais lhe apraziam!). João Cláudio fazia questão
de parabenizar o talento do músico, chegou perto dele (que foi pego de surpresa)
e lhe cumprimentou:
- Gostaria de agradecer pelo que me
deste hoje! – falou o ébrio em tom de emoção.
- Mas o que foi que lhe dei? – disse
o músico perplexo.
- Sempre venho a este bar escutar os
músicos. – voltou a falar João Cláudio, enquanto Giuliano pensava: “Mas eu não
perguntei nada a esse indivíduo!...” De qualquer forma, o cliente do bar
continuou a sua oratória: - E você é o melhor de todos os que já vi! não sabes
o quanto acrescenta à vida deste simplório ébrio!...
Sem conseguir arquitetar qualquer
resposta, Giuliano se percebeu em uma pequena incógnita que não merecia morrer
com o silêncio: o velho deixou perceptível a sua desilusão para com a vida, mas
(e principalmente!) o dom de admirar a boa música (?!...). O nosso jovem músico
soltou a única frase que lhe parecia oportuna diante da situação:
- São para pessoas como você que eu
faço minhas melodias!... – após essa frase, cada um foi para o seu respectivo
lar: o músico sentou em seu sofá e tocou o seu violão, e o ébrio foi à sua cama
com um sorriso verdadeiro no rosto...
Diário
- Já conheço este local de outras
primaveras,... e afirmo novamente que nada aqui me é estranho. Senhores e
crianças presentes neste local: vocês realmente conhecem os presságios?! e
neles a real verossimilhança estabelecida?... é que desconhecemos o reflexo do
espelho. Autoconhecimento, dúvida amarga que está encravada na alma dos loucos.
Sinceramente, a paciência é algo que perdi há muito... e o resultado é o que
sou diante de vós. No meu caso específico, o sonho é o melhor da existência e
ele se alarga em beleza surreal com determinadas memórias... e uma delas me
remete a este local. Os anos passaram, sim esses malditos espectros fugiram de
nós!... e sei que sou humano porque já consegui provar, em atos e palavras, que
sou pequeno. Sim! somos todos indivíduos limitados... contadores de histórias:
é a classificação justa que nos cabe..
“E os determinismos que nos fazem ter
apegos a coisas dispensáveis?!... os processos são meros espectros
superficiais. Somos apegados a gestos, mas ignoramos os atos; somos apegados ao
discurso, mas ignoramos as palavras. A burocracia é uma concretização de nossas
aspirações imediatistas e preferências materiais; ela é a dama que inventamos
quando fizemos questão de ignorar o respeito ao próximo e a sensibilidade
diante das limitações e individualidades humanas... e todas as nossas
instituições, inclusive as de “ensino”, se curvam às ordens dessa horrível
fêmea sem gênero. E eu realmente acredito que a sociedade poderia render mais
se a nossa espécie tivesse liberdade para se desenvolver...
“Solitário, nos templos de meu tempo
os indivíduos são ilhas distintas que não se cruzam (ou fazem isto por mero
interesse particular...), sou mais um diante da atual conjectura. Sonhos
armazenam o lado progressista da humanidade em uma totalidade utópica a qual
denominamos Amor... mas existe o realismo frio que se apega ao descrédito nosso
e nos entrega aos hinos desafinados e distintos das derrotas pessoais de cada
indivíduo. Somos escravos da falta de nortes, pois nossa sociedade se limita à
valorização de lucros materiais (estrutura que aceitamos porque desconhecemos
nossa vizinhança...). Ignoramos, e acreditamos que estamos sendo injustiçados
quando somos ignorados...
“A perfeição me é algo muito distante.
Minhas palavras e os meus atos são filhos de uma ansiedade autodestrutiva (pois
ao final do espetáculo me afasto da plateia de meu exterior para abraçar estes
heterônimos confusos que residem em minhas abstrações digressivas...), sou um
ar indigesto que às vezes pode trazer bons frutos. Em meu ser está fixado o
demônio do egoísmo e do orgulho, mas neste interior existe uma força (superior
à força física!...) que me ordena uma espécie de altruísmo cristão sem nenhuma
recompensa... é uma ordem biológica, necessidade de minha psicologia. E o que
também me amedronta é não conseguir saciar este anjo que está em guerra
constante com os meus demônios existenciais...
“E, como se não fosse já o suficiente
toda esta vesânia presente aqui, tenho um hábito maldito que não consigo
controlar (e decifrar!): sou escritor. Não, não pensem vocês que sou mais um
destes realistas, cientistas ortodoxos que não se baseiam em nada (estou
falando de um grupo específico, mas não de uma totalidade!)... na verdade, sou
um agente ideológico do desconstrutivismo pós-moderno. Pois convenhamos: o que
realmente a humanidade conquista diante das atuais ordens sociais?!... serei um
eterno defensor da troca e inversão, renovação!, de toda a mazela que ainda
tranca indivíduos na irracionalidade temporária vigente.
“Escrevo porque existir é um peso que
não sei se consigo suportar!... no meu cotidiano, uma série de atos triviais e
repetitivos; em meu íntimo estão os planos para concretizar novas ordens, e em
meus sonhos um belo local (uma vida realmente!...) em que sacio meu espírito...
uma dualidade constante que fez de mim um desleixado para com minhas
apresentações ao mundo exterior. Escrevo por causa de uma razão, conhecer-me, e
a ocasião desta “descoberta literária” merece uma narrativa para vocês...
“Madrugada, temperatura agradável
(não estava quente e não estava frio...), e novamente me entreguei à insônia
(não sei mais porque isso não me traz maiores surpresas!...). Fui até o espelho
e saiu de minha boca a maldita questão: “Quem eu realmente sou?!” e então
surgiu, única e simplesmente, o silêncio. Um vácuo que me apresentou como um
eterno amante da inércia!... um grande abutre coberto por fogo estava, pouco a
pouco, se alimentando de restos podres de minha alma. Sinceramente, ele ainda
me persegue; e eu ainda não sei quem deveras sou!...
“Desde então, meus escritos se
expandem; crio grandes teorias, mas o meu silêncio ainda é maior!... um grito
covarde que ouso afirmar que se junta ao de milhares (ou seriam mais?!...) de
indivíduos e que é um tumor do câncer que se fixou na nossa espécie (e que
parece ser interminável!...).
“E este recinto, enfim!, está em mim
e de uma certa forma sou eu. Fechado, desordenado e sem nenhuma aspiração para
além de uma bomba atômica; como lhes disse anteriormente, sou escritor. E foi
aqui que iniciei-me no ofício da velha coruja solitária, nesta cama me
entregava aos projetos e/ou alucinações; esta é a televisão à qual meus olhos
se direcionavam, mas que nunca cheguei a ver; e este é o vazio humano que é o
meu berço!...
“Sim, também levei o meu hábito a
todos os cantos de meu cotidiano...
“Portanto, deixo-lhes senhores uma
ótima noite! mas peço-lhes um pouco de sensibilidade: se destruírem este
quarto, não o façam na minha presença; mas, se possível, deixem esta área como
está. Não sabem como este canto, em que repouso de mim mesmo, me é significativo!...
sairei daqui com a dúvida cruel, não saberei se deveras levarão este espaço de
minha vida a sério. Despedida é esta minha para com vocês, espero que seja um
“até logo” para este ambiente e estes objetos com um valor maior do que o
próprio materialismo...”
Disse o velho senhor, sem conseguir
esconder a sua emoção. Sua efígie parecia mostrar que um grande segredo havia
sido revelado, e que as consequências seriam fortes... virou-se e foi embora,
como se não quisesse mais ver aqueles sujeitos. O ambiente era uma biblioteca,
os seus ouvintes eram os livros e ele era o único indivíduo ali presente...
ninguém escutou o discurso.
Uma vida perfeita!...
- Sirvam-me e estarão servindo
diretamente a Deus! – falou o jovem às belas moças que o rodeavam na mesa do
bar. Com gestos expansivos, o nosso personagem estava entregue ao seu delírio
proposital: fazia questão de ignorar a própria biografia para apenas se
divertir um pouco.
Um ótimo servidor das vontades do
mercado, ele tinha um ótimo cargo de chefia em sua empresa. Nunca teve maiores
problemas com os seus semelhantes, sempre recebeu a simpatia de todos... era um
cidadão “perfeito”.
Fitava uma bela jovem no meio das
outras, reparando em seus olhos azuis e os cabelos cacheados!... não chegou a
pensar duas vezes antes de se aproximar. Diante de sua nova musa, palavras
pueris e um sorriso... e o beijo decretou o introito de um novo romance. Muitas
das beldades presentes ali invejavam a nova acompanhante do mancebo, e ele
aproveitava para saciar o seu ego. Sobraram ainda alguns olhares discretos para
supostas amantes do futuro (investimento não custa nada...).
A noite passou com grande rapidez, o
tempo passava com o prazer sentido... ao sair do bar, o sol já estava exposto. Com a bela morena do seu lado, encaminhou-se
ao melhor motel da cidade. Um quarto luxuoso, um dos mais belos corpos que teve
durante a sua vida... caminhava sobre aquela epiderme com uma harmonia que não
tinha tido anteriormente com outra mulher... seu corpo foi totalmente saciado.
Deixou-a em casa no final da tarde e
foi até o seu lar. Chegou no seu refúgio, que estava totalmente vazio, sua vida
era um ambiente perfeito; e os atos seguiram os pensamentos, estes que venceram
as palavras e o seu cotidiano de até então... seus olhos permaneceram fechados
na manhã seguinte.
Epopeia sem identificação
“Caríssimo diário, o sol está se
fortalecendo com o introito desta primavera... as flores que surgem são o
princípio de uma arquitetura divina. Na natureza, não consigo achar qualquer
defeito; mas em minha sociedade... sem maiores voltas, vejo-me obrigado a apresentar-te
o motivo que me impulsionou a lhe dar a existência: todos os meus semelhantes
se personificaram em efígies de porcos.
Parece estranha a minha análise, mas
é verídica em seus aspectos...
Meus irmãos, meus pais, os indivíduos
que presencio no meu cotidiano e (principalmente!) os que vejo na televisão!...
a espécie humana é análoga à espécie suína.
E comecei então a refletir: os
hábitos são iguais. Provavelmente os homens foram se encorpando em seus
reflexos de pensamento, comprovando assim as teorias do ultrapassado Lamarck.
De tanto insistir em suas convicções, meus semelhantes perderam suas máscaras.
E o engraçado é que eu não me lembro de tê-los visto de outra forma...
O pretérito, sim o pretérito!... não
consigo ver a face desse espectro que explica os processos que nos trouxeram
até aqui (será que ele faz parte da construção da amnésia coletiva atual?). Mas
estou adentrando em seminários que desviam-me do motivo que me trouxe até
aqui...
Acordo, me lavo (e só eu faço isso!)
e me encaminho até a cozinha para fazer minhas refeições... e lá estão eles:
porcos com indumentárias “humanas” (?!) que me conhecem, conversam comigo e até
usam o meu nome. De forma discreta, me alimento antes para evitar que roubem o
meu alimento... e, no resto do tempo de mesa, fico perplexo por ver aqueles
focinhos se arrastando na tábua (e, posteriormente, no chão).
Nas ruas, presencio milhares de
porcos mais jovens andando de forma desordenada. Livres, sem qualquer
orientação dos mais velhos... fico a pensar na hipótese do surgimento de alguma
instituição de ensino, onde professores ensinem alguma coisa para os mais novos
(estes alunos realmente aprendendo alguma coisa!). Mas eu reconheço que é
loucura: no meio dos porcos não pode existir qualquer aprendizagem. Peço-te
desculpas, diário, por lhe alugar com tal vesânia; mas juro-lhe que não sou
anormal...
Às vezes, me entrego à digressão de
narrativa por pensar que homens devem ser humanos... mas não serei
inconveniente doravante.
O fato é que me assusta em demasia a
indumentária existencial (que desconheço o princípio, se sempre foi isso, e se
a duração do enredo atual é eterna) que está na formação corpórea dos
indivíduos humanos. Afinal: de onde saiu esse pólo excêntrico? será que há
alguma utilidade neste processo de burocracia personificada?!
Não adentrarei novamente nesses
questionamentos, caríssimo diário, pois tu não és digno de tão nobre
filosofia...
Sou dispersivo e confuso, eu bem sei
sobre isto; e não me estenderei mais neste encontro. E as tentativas não terão
mais fim, pois sei que posso (quem sabe em algum dia e/ou ocasião especial!)
usufruir da construção de uma frase sensata.
Retornarei com o passar dos tempos.”
Escrevi com total convicção esse
texto em um livro,... e desconhecia o amor momentâneo por tal objeto e a
certeza que me fez escrever algo, aparentemente, confuso. Respirei fundo e
fechei meu diário,... fixei o meu olhar na capa que não tinha nenhum título.
Era um prazer inexplicável: tinha em minhas mãos a continuação de meu espírito
(talvez um pedaço superior ao meu próprio coração!)...
A comunhão interna de minha vesânia
se fez com a sensação sublime, e os próximos acontecimentos me fizeram
valorizar ainda mais a minha residência em meus escritos. Após muito admirar o
livro de minha autoria, resolvi olhar o meu entorno: escuridão e silêncio era a
totalidade que me envolvia.
Um vazio profundo, a amnésia tomou
conta de meu ser!...
Ao me amedrontar com a real
sociabilidade que estava em mim (e era o meu próprio ser!), resolvi refugiar-me
em minha efígie: estava em pé, nu, e o meu escrito não estava em meus
braços!... a minha nudez tornou-se uma grande incógnita, pois eu realmente não
sabia o que pensar de meu próprio corpo (este que jamais chegarei a conhecer!).
Diante de meu desconhecimento, estar ou não com qualquer indumentária era a
mesma coisa...
Resolvi usar o meu cérebro (labirinto
sempre indecifrável) para tentar lembrar-me em qualquer aspecto, mesmo que
fosse mínimo... e, aos poucos, consegui me recordar apenas das últimas linhas
de meus escritos (o introito desta história que reside em aspas!). Passo a
passo, presenciei o funesto corolário: eu não havia escrito absolutamente nada.
E tudo me remete a reflexões
existenciais!...
O sentido de meu escrever era o mesmo
sentido que tinha diante daquele ambiente vazio: o espetáculo do simbólico
(sonhos e sinfonias) era apenas um entretenimento barato que eu comandava com o
ideal de conseguir fugir de meu simplório deserto histórico.
Não ser nada, estar nu em algo
virtual, sobrar na memória apenas um texto demasiado abstrato!... fixei-me na
tentativa de ter uma mente vazia. Mas o silêncio (de som, imagem e sensações
variadas) é utopia...
Pensei que estava sem estrutura,
resolvi olhar o que havia abaixo de mim: uma escuridão singular me apresentava
a um grande vácuo. O céu, o centro e a superfície... tudo era o mesmo nada. E a
falta é algo que deixa qualquer indivíduo atormentado!...
Enquanto me cansava de descansar em
demasia, não sentia qualquer movimento em minha mente e meu corpo, começaram a
surgir existências supérfluas ao meu redor: primeiramente, um prédio com toda a
falta de significados concretos; ao meu lado, uma pomba que parecia estar de
cabeça para baixo; meus pés começaram a suar e meu corpo estava encoberto por
uma indumentária elegante; acima de mim estava o chão, as pessoas pareciam
formigas; e em mim residia apenas a convicção de um suicida. Comecei a cair com
uma velocidade superior ao que conhecia, o chão estava cada vez mais
próximo!... e antes de bater com a cabeça na calçada fria, eu simplesmente
acordei.
O susto me trouxe um calor que me fez
afastar as cobertas que utilizei para sobreviver de uma noite fria. Quem
escreve esta narrativa é meu inconsciente, pois me esqueci do que escrevi e
vivi em sonho no exato momento em que posei para o espelho.
(...)!!!
Acima da montanha, rochas e plantas
(algumas flores nativas!); e o vento faz das folhas (ou seriam falhas?) meras
filhas de sua escravidão materna. O ar abundante corre, análogo a um
determinismo superior ao que há acima do planeta... e não seria exatamente isso
mesmo?
Belos campos, vegetação rasteira e
sem árvores.
Abaixo do morro, a areia começa a se
expandir e se tornar cada vez mais frequente. Parece que, enfim!, surgirá a
praia...
Em um outro lugar, demasiado distante
em relação ao que está no introito desta história, os dias de sol e temperatura
média (que ocorrem em poucos dias de um ano inteiro) começam a se retirar do
cenário... de forma discreta, alguns blocos de neve começam a cair no solo.
Grandes pinheiros presenteiam a floresta com suas respectivas singularidades.
Nas proximidades, um rio com água e gelo...
E no centro do planeta tudo é fogo...
A areia da praia, rochas de
outrora!... um grande esforço, um apaixonar oculto fez da totalidade um farelo
que alimenta inúmeras vidas. E os átomos são detalhes insignificantes, é claro:
estou a falar apenas de convenções científicas. Cada grão de areia (análogo a
todos os paralelos que nos cercam) não tem nome e não carece de
identificação... e os grãos de areia se multiplicam de forma gloriosa.
Na floresta congelada, que se
encontra a uma distância quase infinita da praia, surge um rio: raso e com uma
correnteza demasiado forte, e rochas em todo o seu percurso. A beleza de um
perigoso apontamento de percurso, um som formidável que surge de atritos
naturais!... uma epopeia se faz do silêncio.
E no centro do planeta tudo é fogo:
eis o que precisamos para viver!
A areia da praia continua abaixo da
água... e a formulação líquida se faz presente pela exaltação do salgado. Uma
imensidão finita que supera qualquer mentalidade... e no alto uma gaivota voa
livremente.
Duas vias de uma mesma estrada
Silêncio na sala de aula, o jovem
Gustavo copia um excesso do conteúdo por ter incomodado demais o professor... e
ele não é exceção: toda a turma está no mesmo barco (não sei se é uma analogia
muito boa essa, mas enfim...). O garoto observa para onde estão os seus
colegas, e todos estão quietos a copiar o trabalho do professor; observa o
professor finalizar o extenso texto do quadro, dar alguma lição de moral nos
seus alunos e se sentar na mesa com uma face que ilustra a verdadeira
autoridade.
Gustavo copia tudo, mas não lhe restava
nenhuma vontade de responder aos exercícios... o seu olhar se perde na rua:
está lá um pássaro entregue à sua liberdade, descansando por tê-la em
demasia... o animal entregue ao desejo que os homens sempre tiveram, mas que se
tornou utópico quando a humanidade começou a se ignorar diante do espelho. O
olhar do jovem se volta novamente ao professor, e de súbito um grande susto: o
olhar sério de seu mestre para a sua digressão visual. E a voz do adulto surge
como um oceano que cai em uma pequena fogueira:
- Não vai responder as questões,
Gustavo?!...
E o garoto apenas baixa a sua cabeça
e se contenta em resolver os problemas. Mas a sua vontade era maior!... esperou
mais um pouco e deu uma olhada rápida para fora da sala: o pássaro não estava
mais lá. Uma revolta interna tomou conta de seu ser: tudo o que ele queria era
ter visto melhor o pequeno animal!... e nem disso o professor “insensível” se
deu conta.
Mais alguns minutos se passaram, e
Gustavo se esqueceu totalmente de sua “revolta”. Pois a mente infantil é um
processo imediatista que só se apega a algo e/ou pessoa que lhe surpreenda no
campo educacional (de forma “positiva e/ou “negativa).
O jovem respondia as questões do
quadro em seu caderno, aquilo realmente parecia não ter fim... e então um som
esperado por todos: o alarme da escola decretou o introito do intervalo. O
professor se dirigiu à sala de seus colegas de profissão e lá se entregou à
dicotomia modal de sempre: dava risadas diante das conversas de seus
semelhantes e acrescentava ao diálogo suas análises irônicas (e, antes que eu
me esqueça, também estava no diálogo a decepção e a revolta dos professores
para com os alunos bagunceiros; e os elogios aos poucos que se comportavam
bem); mas a mente do nosso mestre sempre era uma mistura indigesta da falta da
energia que os seus alunos lhe tiravam em aula e os problemas que acumulava do
mundo externo (afinal era um indivíduo humano como qualquer outro de nossa sociedade
e nosso tempo). No meio de todo o enredo daquela sala de “educadores”, surge a
coordenadora pedagógica: o seu sorriso estampado na face, de orelha a orelha,
uma pequena piada diplomática e uma mensagem positiva para “alegrar” o dia dos
docentes... e o nosso professor nunca sabia o que deveria pensar diante daquela
personagem.
O jovem Gustavo se sentia em
liberdade: corria, jogava bola, incomodava os seus colegas e era repreendido
por algum adulto,... o tempo não existia nos instantes de sua excitação. São
poucas as palavras para explicar um garoto sentindo-se em um universo ilimitado
(ainda que tal sentimento seja temporário)... e deixo minhas sinceras desculpas
a quem acompanha estas linhas de agora, pois sei que expliquei pouco sobre o
personagem menor; mas é assim a vida de uma criança saudável: uma expansão
infinita de aventura diante de um paralelo mínimo.
O tempo passou com uma velocidade
inconsciente e decretou, através do som do alarme da escola o final do
intervalo: o professor respirou fundo e foi até a sala com a sua mentalidade
fixa nos próximos instantes que viriam (não poderia, em nome da honra
profissional e pessoal, facilitar as coisas para os seus alunos); e Gustavo não
conseguia pensar em nada além da chatice da sala de aula quando retornou à
mesma. “Por que não me deram mais tempo de recreio?!” pensou o docente e também
o seu aprendiz.
O professor parou à porta da sala e
fez um sinal para que seus alunos adentrassem novamente naquele recinto, sua
face séria foi um estratagema proposital com o único objetivo de gerar temor e
reflexão em seus alunos (e isso deu muito certo!). Mais alguns conteúdos foram
escritos no quadro, o silêncio era algo quase doentio... e o mestre sentou-se
na classe e observou os seus alunos (que a essa altura apenas copiavam!): “Não
adianta, eles me incomodam sempre; mas, mesmo assim, sempre me preocupo com
eles!...” pensou em sua dicotomia (sua face de aço e seu coração de vidro).
Gustavo fazia os exercícios, somente
o medo de mais uma repreensão o dominava...
Os segundos passaram devagar diante
daquele ambiente tenso... e enfim: o alarme da escola decretou o final das
atividades do dia. Gustavo, assim como todos os seus colegas, foi embora e não
pensou em mais nada... e o professor saiu da escola com sua postura inabalável,
mas o seu interior possuído pela triste confusão: “O que devo fazer para
conquistar essa gurizada?!”
Memórias de um jovem senhor
O senhor Maximiliano estava sentado
no seu velho sofá e seus mais de trinta anos!... três décadas aturando o peso
daquele cidadão que agora ostentava seus noventa e cinco anos de idade!...
“Quase um século, meu Deus! quanta vida, ocorrências positivas e negativas,
muitas experiências e, no momento, nenhuma empolgação de minha juventude!”
concluiu no seu interior cerebral. Verdadeiramente não são apenas as células
que morrem, mas sim toda uma energia... o tempo mata e torna vivo o supérfluo,
muda os prazeres cotidianos, faz do jovem um velho...
Armando os olhos para se direcionarem
aos seus objetos adquiridos pelo seu excesso de força de trabalho (jamais
ganhou dinheiro sem suar em demasia!), Maximiliano deixou de lado o seu sofá e
observou aquela velha televisão... “Por que gastei o meu santo dinheiro com
essa caixa incapaz de me entreter?!” indagou-se com o sue velho ar seco. Na
verdade, ele era o resultado de uma criação social que visava apenas a sensatez
do realismo: trabalho por Deus, pela família e, destarte, por sua própria
honra. A televisão era um cubo frio de fotografias móveis que ele observou após
já ter quase dois terços de sua vida! e isso vale também para a eletricidade.
Olhou para a porta fechada de seu banheiro e agradeceu por estar lá dentro um
detalhe prazeroso: “Quantos banhos frios tomei em tantos invernos!” chegou a se
tremer apenas com aquele tipo de recordação. “Enfim uma boa tecnologia!...”
Após o sofá, a televisão e o chuveiro
elétrico, Maximiliano observou aquela egrégia senhora que o ajudou em suas
conquistas materiais e pessoais: a senhora Antonieta caminhava de forma
vacilante, com os seus óculos (estes nem grandes e nem pequenos!), sua altura
média para uma mulher comum e o seu ar de simpatia que guardou durante sua vida
inteira (a paciência, é bom lembrar, foi uma virtude que adquiriu de forma
tardia). Para o senhor Maximiliano, era como se ela jamais tivesse mudado: era
a mesma jovem com os seus longos cabelos encaracolados e loiros, o mesmo
orgulho e ambições pueris, a mesma chantagem, doçura, beleza e o mesmo modo
suave e aprazível de ser!... “Fiquei com todas as marcas do tempo!... e isso é
bom, é maravilhoso ser companheiro de uma eterna jovem!” anos mais tarde,
Antonieta viria a falecer por causas naturais e Maximiliano não agüentou nem
dois meses de solidão... mas retornemos à nossa história:
Na parte superior da estante da sala
(que continha inclusive a televisão), a foto daquele jovem inconsequente: “A
vida inteira sendo um hipócrita que era santo em casa e o próprio demônio da
porta para fora!” afirmou e, após, fixou o seu olhar para a sua esposa:
“Quantas lágrimas caíram dos olhos de minha amada por causa de um jovem sem
cérebro! um cidadão que dirigia o seu carro ébrio, um vago a quem tive a
desonra de chamar de filho!” segundos de amargura encobriram os sentimentos de
Maximiliano. Difícil lhe era entender como aquela criança recém-nascida que
sorria para todos e apontava para o céu admirado a observar aviões se tornou um
adolescente que agia apenas por impulsos de selvageria e egocentrismo. Não
queria se lembrar da peroração vital de seu próprio filho, fazia questão de
ignorar a imagem funesta para sempre se recordar daquela criança loira cheia de
energia... como era duro aceitar não ter filhos vivos e, principalmente, netos!
Mas, fora as memórias de seu
primogênito e ex-único herdeiro, a vida era uma dança agradável que superava
partes desarmônicas da Sinfonia Universal!... aquele lar e aquelas lembranças
eram mais do que um nada: eram verdadeiras efemérides triviais.
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