segunda-feira, 14 de janeiro de 2013


Diário

          - Já conheço este local de outras primaveras,... e afirmo novamente que nada aqui me é estranho. Senhores e crianças presentes neste local: vocês realmente conhecem os presságios?! e neles a real verossimilhança estabelecida?... é que desconhecemos o reflexo do espelho. Autoconhecimento, dúvida amarga que está encravada na alma dos loucos. Sinceramente, a paciência é algo que perdi há muito... e o resultado é o que sou diante de vós. No meu caso específico, o sonho é o melhor da existência e ele se alarga em beleza surreal com determinadas memórias... e uma delas me remete a este local. Os anos passaram, sim esses malditos espectros fugiram de nós!... e sei que sou humano porque já consegui provar, em atos e palavras, que sou pequeno. Sim! somos todos indivíduos limitados... contadores de histórias: é a classificação justa que nos cabe..
          “E os determinismos que nos fazem ter apegos a coisas dispensáveis?!... os processos são meros espectros superficiais. Somos apegados a gestos, mas ignoramos os atos; somos apegados ao discurso, mas ignoramos as palavras. A burocracia é uma concretização de nossas aspirações imediatistas e preferências materiais; ela é a dama que inventamos quando fizemos questão de ignorar o respeito ao próximo e a sensibilidade diante das limitações e individualidades humanas... e todas as nossas instituições, inclusive as de “ensino”, se curvam às ordens dessa horrível fêmea sem gênero. E eu realmente acredito que a sociedade poderia render mais se a nossa espécie tivesse liberdade para se desenvolver...
          “Solitário, nos templos de meu tempo os indivíduos são ilhas distintas que não se cruzam (ou fazem isto por mero interesse particular...), sou mais um diante da atual conjectura. Sonhos armazenam o lado progressista da humanidade em uma totalidade utópica a qual denominamos Amor... mas existe o realismo frio que se apega ao descrédito nosso e nos entrega aos hinos desafinados e distintos das derrotas pessoais de cada indivíduo. Somos escravos da falta de nortes, pois nossa sociedade se limita à valorização de lucros materiais (estrutura que aceitamos porque desconhecemos nossa vizinhança...). Ignoramos, e acreditamos que estamos sendo injustiçados quando somos ignorados...
          “A perfeição me é algo muito distante. Minhas palavras e os meus atos são filhos de uma ansiedade autodestrutiva (pois ao final do espetáculo me afasto da plateia de meu exterior para abraçar estes heterônimos confusos que residem em minhas abstrações digressivas...), sou um ar indigesto que às vezes pode trazer bons frutos. Em meu ser está fixado o demônio do egoísmo e do orgulho, mas neste interior existe uma força (superior à força física!...) que me ordena uma espécie de altruísmo cristão sem nenhuma recompensa... é uma ordem biológica, necessidade de minha psicologia. E o que também me amedronta é não conseguir saciar este anjo que está em guerra constante com os meus demônios existenciais...
          “E, como se não fosse já o suficiente toda esta vesânia presente aqui, tenho um hábito maldito que não consigo controlar (e decifrar!): sou escritor. Não, não pensem vocês que sou mais um destes realistas, cientistas ortodoxos que não se baseiam em nada (estou falando de um grupo específico, mas não de uma totalidade!)... na verdade, sou um agente ideológico do desconstrutivismo pós-moderno. Pois convenhamos: o que realmente a humanidade conquista diante das atuais ordens sociais?!... serei um eterno defensor da troca e inversão, renovação!, de toda a mazela que ainda tranca indivíduos na irracionalidade temporária vigente.
          “Escrevo porque existir é um peso que não sei se consigo suportar!... no meu cotidiano, uma série de atos triviais e repetitivos; em meu íntimo estão os planos para concretizar novas ordens, e em meus sonhos um belo local (uma vida realmente!...) em que sacio meu espírito... uma dualidade constante que fez de mim um desleixado para com minhas apresentações ao mundo exterior. Escrevo por causa de uma razão, conhecer-me, e a ocasião desta “descoberta literária” merece uma narrativa para vocês...
          “Madrugada, temperatura agradável (não estava quente e não estava frio...), e novamente me entreguei à insônia (não sei mais porque isso não me traz maiores surpresas!...). Fui até o espelho e saiu de minha boca a maldita questão: “Quem eu realmente sou?!” e então surgiu, única e simplesmente, o silêncio. Um vácuo que me apresentou como um eterno amante da inércia!... um grande abutre coberto por fogo estava, pouco a pouco, se alimentando de restos podres de minha alma. Sinceramente, ele ainda me persegue; e eu ainda não sei quem deveras sou!...
          “Desde então, meus escritos se expandem; crio grandes teorias, mas o meu silêncio ainda é maior!... um grito covarde que ouso afirmar que se junta ao de milhares (ou seriam mais?!...) de indivíduos e que é um tumor do câncer que se fixou na nossa espécie (e que parece ser interminável!...).
          “E este recinto, enfim!, está em mim e de uma certa forma sou eu. Fechado, desordenado e sem nenhuma aspiração para além de uma bomba atômica; como lhes disse anteriormente, sou escritor. E foi aqui que iniciei-me no ofício da velha coruja solitária, nesta cama me entregava aos projetos e/ou alucinações; esta é a televisão à qual meus olhos se direcionavam, mas que nunca cheguei a ver; e este é o vazio humano que é o meu berço!...
          “Sim, também levei o meu hábito a todos os cantos de meu cotidiano...
          “Portanto, deixo-lhes senhores uma ótima noite! mas peço-lhes um pouco de sensibilidade: se destruírem este quarto, não o façam na minha presença; mas, se possível, deixem esta área como está. Não sabem como este canto, em que repouso de mim mesmo, me é significativo!... sairei daqui com a dúvida cruel, não saberei se deveras levarão este espaço de minha vida a sério. Despedida é esta minha para com vocês, espero que seja um “até logo” para este ambiente e estes objetos com um valor maior do que o próprio materialismo...”
          Disse o velho senhor, sem conseguir esconder a sua emoção. Sua efígie parecia mostrar que um grande segredo havia sido revelado, e que as consequências seriam fortes... virou-se e foi embora, como se não quisesse mais ver aqueles sujeitos. O ambiente era uma biblioteca, os seus ouvintes eram os livros e ele era o único indivíduo ali presente... ninguém escutou o discurso.

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