segunda-feira, 14 de janeiro de 2013


Catarse do pretérito: a trilogia idiossincrásica

          Tocando o seu violão com o prazer que sempre tinha diante de tal ato, Giuliano estava em seu campo de vida: arpejos, ascensões harmônicas, cromatismos pré-programados e uma melodia única (singular por sua beleza espontânea!). Estava fazendo os seus improvisos, só conseguia se sentir bem dentro deles; outrora o seu talento musical lhe rendeu um convite para uma grande orquestra, mas o tempo transformou maestro e músico em rivais: um queria apenas seguir o que estava escrito na partitura, o outro queria enriquecer os sons clássicos com os seus improvisos... Giuliano foi expulso da orquestra e de todos os empregos que teve anteriormente. O fato de apenas pensar em música lhe fez ignorar as “oportunidades” (?!...) da vida,... e lhe restou um único emprego para fazer os seus improvisos harmônicos no bar: era tudo o que queria; e, para isso, ignorava o próprio mundo financeiro... vivia de qualquer jeito, mas era feliz porque nunca se separava de seu violão.
          Ignorando a bela projeção musical que saia do violão de Giuliano (este que ignorava qualquer existência exterior ao seu instrumento...), Régis erguia o seu copo com cerveja e fazia questão de brindar com todos (e erguia a sua voz sem maiores cerimônias!...): era sexta-feira!... e não havia outra sensação para se retirar do recinto além do espírito de festa. Belas mulheres, música de qualidade, a bebida na temperatura certa!...
          E lá no canto, distante dos demais (e de qualquer possibilidade de ser visto por mais alguém além do garçom!...), João Cláudio observava o seu copo (cada vez mais vazio!...) e o grande músico que estava no palco. “Ao menos, sobrou algum talento neste mundo!...” pensou com a mesma amargura que guardava no introito de sua existência. Fitou então Régis e todos os indivíduos que se divertiam com ele:
          - Como esses imbecis conseguem ignorar o talento do jovem que está se apresentando?! – falou em voz alta enquanto deu um soco na mesa. Olhou para o lado e teve uma grande surpresa: o garçom retornava ao seu encontro. Surpresos, um com o ato e o outro com a presença!, não perderam a classe... e agiram de forma natural.
          - O senhor gostaria de mais um drinque? – perguntou o garçom com sua postura hipócrita de sempre.
          - Por favor, mas desta vez sem gelo. – respondeu João Cláudio.
          O ébrio, após observar mais uma vez o músico e ouvir o som sublime daquele violão, ignorou que chegou a pensar em que imagem sua estava transmitindo ao garçom; e este, de forma totalmente discreta, pediu a um dos seguranças para que ficasse de olho no “louco” que estava bebendo demais... e retornou à mesa, serviu o drinque e continuou sua praxe.
          João Cláudio tentava esquecer, mas os espectros não saiam de sua cabeça: as oportunidades que nunca teve e as que deixou passar!... Régis aproveitava a festa que se justificava após a árdua semana de trabalho... e Giuliano saboreava a sua música, de forma a ignorar todos os indivíduos ali presentes (até quem lhe garantia o sustento!...).
          Chegou o final da apresentação do nosso músico: pegou o seu violão (e o seu pagamento!...) e se direcionou à saída. Régis continuou bebendo com os seus amigos, o seu espírito em êxtase ignorou o final da música (nem havia reparado no introito dela...). Giuliano só queria saber de seu lar, só pensava em voltar a fazer os seus improvisos no sofá de casa (era o local e o ato que mais lhe apraziam!). João Cláudio fazia questão de parabenizar o talento do músico, chegou perto dele (que foi pego de surpresa) e lhe cumprimentou:
          - Gostaria de agradecer pelo que me deste hoje! – falou o ébrio em tom de emoção.
          - Mas o que foi que lhe dei? – disse o músico perplexo.
          - Sempre venho a este bar escutar os músicos. – voltou a falar João Cláudio, enquanto Giuliano pensava: “Mas eu não perguntei nada a esse indivíduo!...” De qualquer forma, o cliente do bar continuou a sua oratória: - E você é o melhor de todos os que já vi! não sabes o quanto acrescenta à vida deste simplório ébrio!...
          Sem conseguir arquitetar qualquer resposta, Giuliano se percebeu em uma pequena incógnita que não merecia morrer com o silêncio: o velho deixou perceptível a sua desilusão para com a vida, mas (e principalmente!) o dom de admirar a boa música (?!...). O nosso jovem músico soltou a única frase que lhe parecia oportuna diante da situação:
          - São para pessoas como você que eu faço minhas melodias!... – após essa frase, cada um foi para o seu respectivo lar: o músico sentou em seu sofá e tocou o seu violão, e o ébrio foi à sua cama com um sorriso verdadeiro no rosto...

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