quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Vozes de um fantasma

I

          Todos os dias quando acordo percebo que o tempo não funciona como servidor do universo humano, pois todos não conseguem controlá-lo e não conseguem harmonizá-lo de acordo com as individualidades de nosso pequeno espaço... e eu, tão distante a pensar em outrem, vejo como os planos temporais poderiam ter sido deferentes e eloquentes para a minha existência...
          O quarto sempre vazio, como se tivesse sido algum campo desnecessário de outrora... a minha vida e a minha história: presas fáceis da inércia inativa que se apoderou de minha falta de significados para os paralelos existenciais!...
          Às vezes, ao andar sozinho pela madrugada, no pátio de meu lar consigo ver algumas almas agonizantes dançando e cantando; na sala de minha casa, observo uma pequena criança brincando de forma indiferente; mas, no meu quarto, nada acontece além de minhas celeumas filosóficas: enquanto preparo a minha cama e faço os velhos rituais de sempre para me encaminhar ao meu sono noturno, nada acontece... mas, quando apago as luzes e me deito, os fantasmas criados por minhas culpas me atormentam até o momento em que me afasto deles e inicio à minha insônia!...
          E são assim as minhas noites: ou me agrido com as minhas falhas, ou observo os desgraçados que frequentam o pátio de meu lar, ou (ainda!) fico a observar a criança que vive na sala de estar e me nega totalmente.
          Tal é o desequilíbrio harmonioso que me segue, que não outros impulsos tenho para criar algo novo... mas apenas uma menina (que é deveras indiferente para as almas que vivem em meu lar, inclusive em relação a mim) consegue fazer com que o meu destino seja um pouco diferente...
          É que às vezes me perco em minhas insônias eternas e ela se aproxima: menina loira, magra, com olhos azuis e sua velha boneca de pano... ela começa a brincar despreocupadamente... e eu, perplexo diante de tanta beleza e um tanto quanto encabulado por ser totalmente desprezado, a fito e começo a escrevê-la através de minhas letras; como se fosse um pintor fazendo a sua arte através da inspiração advinda da bela modelo que está à sua frente...
          Mas, não de forma rara, surge a outra: a mesma garota, só que com os seus milênios de existência bem expostos... e ela agride a sua juventude; e eu, diante de tal espetáculo, não posso fazer nada!...
          E assim se iniciam as minhas dualidades: as lágrimas da garota de seis anos de idade caem em meus poemas... e eu, atormentado diante do espetáculo, apenas escrevo o que vejo e o que penso diante dele. Alguns minutos atrás, a garota me estendeu a sua mão; e tal gesto foi o suficiente para que eu decidisse ficar morando aqui dentro de minha literatura pequena.
          Sei que a maior parte do que escrevo se encaminha para o grande mundo do esquecimento ao qual pertencem todos os lixos triviais do cotidiano; mas o pouco que resta me faz contente e me abraça na esperança de saber que não morrerei sem deixar nada.
          A minha literatura é a unificação do mundo ilusório dos sonhos e a realidade que supera os piores pesadelos.

II

          Depois de meu introito, enquanto filho do contato advindo do choque entre o grafite da lapiseira com a folha de papel virgem e industrial, percebi grandiosa necessidade: descrever o belo... só que tal tarefa não é tão prosaica quanto parece!...
          Primeira questão: onde está e como deve ser procurado o belo?
          Pode-se perceber a beleza em tudo: à natureza, à harmonia de qualquer coisa existente, alguma garota em especial... mas tal sensibilidade para com qualquer parâmetro vital existente exige percepções apuradas e à total quebra de laços afetivos com o egocentrismo...
           Até aqui, só falo de necessidades e mais necessidades,... e é deveras necessário que isto aconteça: que todos os homens possam deixar as suas essências mundanas de lado!...
          Tantas digressões que faço!... mas continuarei o meu discurso sobre o belo, dando ênfase ao que mais me agride dentro dele: eu mesmo... isto é, a minha limitação artística.
          Tantas coisas boas que se afloram nos paralelos nascituros de cada momento... e eu (total avesso aos grandes artistas do pretérito) não consigo descrever a vida no seu decorrer efêmero...
          Sei que não posso me ignorar enquanto escrevo, portanto: escrevo sobre algo que não tem parâmetros com a vida social vigente, pois não tenho vida além de mim; não consigo descrever o belo, pois nem ao menos consigo usufruir da beleza do mundo; não tenho nenhuma perfeição literária, pois sou um indivíduo desprovido de virtudes visíveis e palpáveis.
          Talvez eu tenha que escrever para que assim (ao me olhar no espelho) eu consiga aprender algo sobre a vida... talvez os meus escritos sejam parte do útil para outrem... ou, quem sabe, a minha literatura não tenha nenhum valor.

III

          A chuva desce até mim no momento de agora, mas nem molhado consigo ficar!... outrora, fitava todos os deslumbramentos de outrem inexistente... hoje, aqui (quieto e parado), percebo que poderia ter sido um pouco mais humano.
          Tal diário breve de momento foi deveras insignificante para os demais homens existentes e vivos... sim, partes insopitáveis da essência divina...
          Triste é o meu enredo, pois não sei quando poderei voltar...

          Apenas foi a arma, o sangue e o tiro: o meu suicídio do pretérito e minha incerteza diante da grande celeuma vigente (que questiona se voltarei a viver). Aqui não sinto mais nada, não vejo mais nada... um grande martírio que se inicia através da grande omissão da peroração universal.

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