quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Lição possível a um agente gratuito da burocracia

          Acordei em uma manhã análoga a todas as outras: após não ter qualquer possibilidade para descansar mais, contra a minha vontade, me levantei da cama, tomei um banho, preparei um café e tirei o carro da garagem... toda a mediocridade do cotidiano pós-moderno estava fixada em outro dia, outro estigma da luta contra os próprios esforços.
          Era mais um dia de meia estação, isto é: não estava frio e não estava quente. Estava o dia ainda um pouco escuro, não era mais do que 5h e 30min. Fixei o meu olhar para uma cena inusitada: no canteiro central, que dividia duas pistas com sentidos contrários, um grande lagarto. Mas o que faria na rua, em uma temperatura um pouco fria, um animal que só saia de seu refúgio diante de um sol escaldante (pois se trata de um réptil que tem em suas veias o sangue frio)?
          Respostas não tive, e minha confusão se expandiu quando observei os passos tortos daquele exemplar vivo da natureza... com um medo inexplicável, pensei duas vezes antes de me aproximar. Respirei fundo e, enfim, adquiri coragem!... com a minha caminhada demasiado lenta, fui chegando cada vez mais perto daquele indivíduo e ele não se preocupou com a minha aproximação; de forma indiferente, o lagarto continuava a caminhar torto e agia como se não houvesse mais ninguém à sua volta.
          É ou não é uma história excitante?... mas continuem prestando atenção.
          Cheguei mais perto e me deparei com a situação do bichano: um dos lados de sua costela estava totalmente aberto. Para caminhar, tinha que se torcer todo (o lado do sangue para cima e o outro se arrastando no chão). Eu estava totalmente entretido com aquele espetáculo, um drama da vida!, quando fui interrompido de forma inconveniente... a minha esposa me chamou do lado do carro:
          - Amor, já está na hora de sairmos! não podemos nos atrasar mais...
          Não tive tempo para mais nada, apenas consegui criar uma teoria: o lagarto foi pego por algum cachorro em seu próprio refúgio (afinal, o que faria um animal do calor insuportável sair para a rua em uma temperatura quase contrária?) e ele não conseguiu revidar os golpes de seu algoz porque seu sangue não estava quente...
          Fui trabalhar com aquele espetáculo que a natureza havia me reservado. Me senti demasiado honrado por tal presente do universo... pois convenhamos: qual era o meu real merecimento de estar ali?
          Olhei para os céus e agradeci:
          - Muito obrigado, oh universo, por ter me dado sangue quente!
          Pois um lagarto é facilmente derrotado por um cachorro quando o seu sangue é frio, mas o meu sangue quente me permite dar coices em qualquer animal que venha a me agredir em qualquer época do ano.


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